Autoridade e Autonomia do Engenheiro

Privatizar pontes, uma solução para o problema?
Estruturas de Pontes

Privatizar pontes, uma solução para o problema?

Ouço discretamente o tic e o tac do relógio na sala. O tempo é inexorável e passa para todos e para tudo, inclusive para as pontes. É quase uma hora da manhã; enquanto a cidade de São Paulo dorme, eu escrevo no silêncio, ouvindo os mecanismos do relógio.

Confesso que perdi o sono com as informações recebidas.

Estudos recentes demonstram que há mais de 5,5 mil pontes com mais de 50 anos no Brasil que necessitam de mais manutenção efetiva.

Este mesmo estudo aponta que mais de 11 mil pontes correm o mesmo risco de colapsar como a ponte do Rio Tocantins.

O tempo tem passado, e a falta de manutenção, medidas e gestão séria, irão, caso nada seja feito, permitir o colapso de mais e mais pontes no país nos próximos anos.

A norma de Inspeções..

A NBR 9452:2023 é a norma técnica que estabelece as diretrizes para realizar inspeções em pontes, viadutos e passarelas, sistemas integrantes da infraestrutura rodoviária e ferroviária do Brasil.

Encontramos nela, a partir da análise de um engenheiro estrutural de OAEs qualificado e designado como responsável técnico, critérios de classificação de gravidade das manifestações patológicas identificadas nas inspeções.

Essa classificação é feita com base na influência do defeito em parâmetros estruturais, funcionais e de durabilidade. A classificação é realizada em seis níveis, de 0 a 5, em que a nota 0 representa uma condição emergencial de intervenção e a nota 5 uma condição excelente, tanto em termos estruturais quanto funcionais e de durabilidade.

É importante ressaltar que essa classificação deve ser realizada sob a autoridade do engenheiro, com experiência e de forma independente, não enviesada pelo contratante pagador, que pode ser um gestor da ponte interessado em reduzir, impedir ou protelar os custos de manutenção.

Sobre o texto da norma, quero me restringir em relação à caracterização estrutural das notas de 0 a 2, que representam riscos eminentes.

 

A partir do relatório de inspeção, documento que irá classificar estruturalmente essa ponte ou viaduto, são tomadas as decisões do gestor da ponte, que podem ser destinadas a:

  • Órgãos municipais e secretarias;
  • Órgãos estaduais (DERs);
  • Órgãos federais (DNIT);
  • Concessões rodoviárias (respondem ao poder público concedente).

A partir daí, a decisão é muito administrativa ou política..

Embora o engenheiro responsável pela inspeção e documentação entregue seja consultado, a decisão final é quase sempre administrativa. Imagine, por exemplo, os interesses políticos de um prefeito que não quer lidar com a pressão pública de uma obra parcialmente interditada. Da mesma forma, uma concessionária tem interesses econômicos atrelados.

É necessário implementar mecanismos legais que deem mais autoridade ao engenheiro responsável, garantindo que a decisão de intervenção seja baseada em critérios técnicos antes de qualquer outra consideração, visando à segurança dos usuários.

Digamos que um pilar no seu prédio rompa parcialmente. Quando a Defesa Civil interdita um imóvel, o proprietário ou locatário não pode mais usar o bem até que os riscos que motivaram a interdição sejam eliminados.

A norma de inspeções aponta caminhos, mas como garantir que flertemos menos com os riscos?

O caminho é força de lei

Antes de qualquer atividade, é imperativo que todo relatório de inspeção, seja rotineira, especial ou extraordinária, seja acompanhado da Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) de um Engenheiro devidamente habilitado e especializado em análise estrutural pertinente ao tipo de obra em questão.

Notas de avaliação estrutural baixas, que variam de 0 a 2, devem ser acompanhadas de laudos conclusivos emitidos por engenheiros estruturais, os quais devem conter diretrizes claras acerca dos procedimentos a serem adotados em função de cada classificação.

Ao receber uma inspeção com as classificações mencionadas, a gestora da obra deverá adotar as seguintes providências:

Classificação 0: Interdição imediata e total da obra.

Classificação 1: Interdição imediata, seja parcial ou total, devendo a inspeção incluir um parecer conclusivo e vinculativo sobre as ações que a administração deve implementar. Medidas como: interdição parcial com operação “pare e siga” faixa única, redução da velocidade para mitigação de impactos dinâmicos, escoramentos, ou limitação de cargas, devem estar claramente especificadas na documentação fornecida pelo engenheiro responsável pela inspeção. A classificação deve ser acompanhada de orientações precisas e conclusões claras.

Classificação 2: Necessita de justificativa robusta por parte do engenheiro estrutural, uma vez que existem inúmeros casos em que estruturas, com notações aparentes de 0 ou 1, foram catalogadas como 2. Um exemplo emblemático é o colapso da Ponte do Rio Tocantins.

A prova da ciência quanto à documentação e ao parecer do profissional de engenharia, quando desconsiderada pela administração da obra, poderá resultar em caracterização de responsabilidade civil e criminal, tanto em casos de crime culposo quanto doloso, em decorrência de prejuízos econômicos aos envolvidos ou, de maneira mais grave, perda de vidas.

Medidas mais restritivas em relação a pontes classificadas com notas baixas deverão ser implementadas, a fim de garantir que órgãos responsáveis mantenham uma manutenção rigorosa das estruturas avaliadas com notas 3 e 4, prevenindo assim a possibilidade de interdição caso suas notas caiam. Atualmente, observa-se uma permissividade excessiva em relação às classificações 1 e 2, considerando que apenas a classificação 0 é efetivamente considerada passível de interdição pelas administradoras das obras.

Ponte sob gestão pública x ponte sob gestão concessionária

Desde 2020, o DNIT já tinha conhecimento da situação crítica da Ponte Juscelino Kubitschek, que colapsou em dezembro, resultando na trágica perda de 17 vidas devido à lentidão nos processos de licitação e ações governamentais.

Em contrapartida, as obras realizadas por concessionárias tendem a ter dinâmicas mais ágeis. Uma concessão permite a contratação imediata de empresas capacitadas para realizar reforços e intervenções necessárias para a reclassificação de estruturas.

Além disso, é evidente que as pontes sob a gestão de órgãos estatais apresentam notas extremamente baixas em avaliações. A maioria dessas estruturas não possuem sequer uma inspeção cadastral regular. Isso compromete a capacidade de avaliar com precisão a extensão dos problemas das pontes administradas pelo DNIT ou DER.

 

Pontes de concessionárias são mais seguras..

O Contrato de Concessão de rodovias estabelece, por meio do Programa de Exploração Rodoviária (PER), as obrigações da concessionária, divididas em quatro frentes principais: Trabalhos Iniciais, Recuperação, Manutenção e Monitoração.

  1. Trabalhos Iniciais: Esta fase inclui a limpeza e reparo das obras-de-arte especiais (como pontes e viadutos), a avaliação da condição estrutural e a elaboração de um plano de gerenciamento. A identificação precoce de falhas é crucial para garantir a segurança e a funcionalidade dessas estruturas.
  2. Recuperação: Envolve a reparação e reforço de estruturas existentes, como o alargamento de viadutos. Os trabalhos são realizados visando eliminar patologias, garantir a durabilidade das obras e assegurar o cumprimento das normas vigentes. Isso pode incluir a substituição de elementos danificados e a proteção contra erosão.
  3. Manutenção: Consiste em intervenções programadas com base em avaliações de desempenho, visando assegurar a boa funcionalidade e a estética das obras. As atividades típicas incluem reparo de elementos estruturais, manutenção de sistemas de drenagem, pintura e proteção de taludes.
  4. Monitoração: A concessionária tem a responsabilidade de monitorar anualmente todas as obras-de-arte especiais, gerando relatórios detalhados sobre seu desempenho e condições, de modo a garantir que atendam aos parâmetros técnicos e de desempenho estabelecidos no PER.

Essas ações são essenciais para garantir a segurança, a durabilidade e a eficiência da infraestrutura rodoviária, prevenindo deteriorações e contribuindo para a segurança dos usuários.

Em uma rodovia de concessionária todas as pontes estão sob gestão mais rigorosa.

E se privatizarmos as pontes?

 

Estamos bastante familiarizados com os programas de concessões rodoviárias no Brasil. Um exemplo de sucesso é o estado de São Paulo, que se destaca pela excelência nos serviços e pela qualidade da pavimentação e das obras rodoviárias.

No entanto, é crucial reconhecer que muitos estados possuem rodovias que não atraem iniciativas privadas para concessões.

Dependendo do relevo, da topografia e da hidrologia, as estruturas como pontes e viadutos representam apenas uma pequena fração do custo total de gestão, implantação, monitoramento e manutenção. Os maiores custos estão geralmente associados a obras de terraplenagem, pavimentação e à operação e conservação das faixas de domínio.

Um programa exclusivamente voltado para a concessão de construção, manutenção e operação de pontes, viadutos, passarelas e passagens inferiores pode ser implementado. Nesse modelo, a iniciativa privada não precisaria assumir a responsabilidade pelas obras gerais ao longo do trecho, como a adequação das faixas de domínio e a pavimentação, focando apenas nas pontes.

A adoção de pedágios eletrônicos do tipo free flow, com subsídios do Estado, pode proporcionar condições favoráveis para que empresas especializadas assumam a gestão, reforço, alargamento e monitoramento de diversas pontes em trechos rodoviários.

Como não haveria outros custos rodoviários envolvidos, os valores cobrados dos usuários não teriam um impacto significativo.

Ninguém gosta de pagar mais, mas em uma pista em más condições, ao reduzir a velocidade, meu risco diminui. E em uma ponte deteriorada, o que eu faço? Rezo enquanto atravesso?

É fundamental lembrar que nossa infraestrutura, nos próximos 20 anos, envelhecerá ainda mais e os investimentos públicos em pontes e viadutos são insuficientes.

Eu preciso passar por uma ponte segura, e você?

Embora eu esteja longe de ser um liberal hiperprivatizador multissetorial, estou convencido, com base no meu conhecimento sobre a estrutura das pontes e na experiência que adquiri trabalhando tanto no setor público quanto no privado, de que essa é uma alternativa a ser considerada.

 

Fonte: https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2025/03/05/estudo-calcula-que-11-mil-pontes-no-pais-podem-ter-acidentes-como-o-do-rio-tocantins.ghtml

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