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Por que a ponte Juscelino Kubistchek caiu?
Estruturas de Pontes

Por que a ponte Juscelino Kubistchek caiu?

Lorrane de Jesus e seus 11 anos..

Quando Lorrane tinha 6 anos, foi realizada uma inspeção especial, em janeiro de 2020, e a situação da obra foi informada ao DNIT. Esta documentação foi elaborada pela empresa Geoserv Engenharia e continha:

  • Descrição detalhada de todas as patologias, acompanhada de um relatório fotográfico;
  • Situação da estabilidade estrutural;
  • Prova de carga com caminhão, além da análise de resposta de vibrações e deformações;
  • Análise numérica computacional da obra;
  • Recomendações para o tratamento das patologias, trincas e fissuras.
  • Anteprojeto de reforço com protensão interna no caixão, além de protensão no vão central do dente Gerber.

No dia 22 de dezembro, a o vão central da ponte caiu. Lorrane estava em um dos caminhões que mergulharam em queda livre no Rio, juntamente com seus avós.

Passaram-se quase cinco anos, Lorrane de Jesus completou seus 11 anos de idade. No momento que escrevo este artigo, o número de mortes confirmadas chega a 9, enquanto 8 pessoas continuam desaparecidas.

As características da Ponte Juscelino Kubitscheck

 

A ponte Juscelino Kubistchek atravessava o Rio Tocantins na fronteira entre os Estados do Tocantins e Maranhão, ligando as cidades de Aguiarnópolis-TO a Estreito-MA. Essa ponte possui comprimento total de 532,7m distribuídos em 17 vãos, delimitados por dois encontros e 16 apoios. A largura do tabuleiro é constante e igual a 12m. O trecho principal é composto por um vão central de 140m, que cruzava sobre o Rio Tocantins.

Seu vão central era constituído pelo sistema de balanço sucessivo com concreto protendido, solução consagrada no Brasil e aplicada em todo mundo para vãos maiores de 200m.

Considerando as limitações tecnológicas da época, o que o Brasil fez em 23 de janeiro de 1961 foi um marco. A ponte Juscelino Kubitschek estabeleceu um recorde mundial naquele ano, com o maior vão livre central, medindo 140 metros.

 

A Primeira grande reforma

Em 1998, foi executada uma protensão externa nas paredes laterais da viga caixão celular. Essa protensão "costurava" todo o trecho em balanço sucessivo e tinha o objetivo de melhorar o comportamento da obra, que já se encontrava bastante desgastada.

 

Esta solução, proposta pela Engespro Engenharia, deu uma sobrevida à ponte, que viria a sofrer ainda mais devido às poucas manutenções e ao aumento crescente do volume de tráfego, bem como à intensidade das cargas dos caminhões.

A evolução das cargas móveis rodoviárias de veículos

Para acompanhar o aumento das cargas dos caminhões e a alta densidade do tráfego pesado dos últimos quarenta anos, as mudanças mais significativas ocorreram quando:

  • A antiga norma NB-6 se tornou a ABNT NBR 7188:1984, definindo um veículo principal de 45 toneladas. Paralelamente, em 1987, a NBR 7187 estipulou coeficientes de impacto para majorar o efeito estático;
  • Em 2013, equiparamos a ABNT NBR 7188 com resultados de normas internacionais, especificando melhor os coeficientes de impacto e trazendo um cenário mais conservador de carregamentos amplificados.

Ao considerar pontes executadas utilizando as premissas das décadas de 60, 70 e até mesmo 80, entendemos que não atendem às necessidades de esforços do nosso modal rodoviário atual. A introdução dos novos coeficientes de 2013 aumenta as cargas de dimensionamento na ordem de 45% em relação ao fator de impacto que vigorava até a NBR 7188:1984 e é ainda mais conservador em relação a primeira NB-6.

 

O Estado da Ponte e as propostas de reforços

As imagens que circularam demonstram diversas e severas patologias e instabilidades na Ponte. Desde 2020, já era de conhecimento as seguintes situações:

  • Diversas trincas e fissuras, com armaduras expostas e comprometidas;
  • Deformações e vibrações excessivas na superestrutura do tabuleiro;
  • Uma deformação vertical no meio do vão na ordem de 75 cm;
  • A perda da protensão original da obra de 1961, onde os cabos se encontravam inativos devida a relaxação do aço, rupturas e deformações;
  • A baixa efetividade da protensão executada em 1998 para garantir a estabilidade da obra.

Todas essas informações foram detalhadas na inspeção especial da Geoserv de 2020, fornecida ao DNIT.

 

Os principais reforços propostos

Para prolongar a vida útil e garantir a segurança da obra, a Geoserv propôs um anteprojeto com novas protensões e engrossamento de lajes.

A protensão interna da viga caixão, estaria dando homogeneidade às tensões de compressão na região superior da seção transversal, uma vez que ela também era aplicada na longarina interna do tabuleiro.

 

Além disso, no meio do vão do balanço sucessivo, foi proposto uma protensão adicional. Devida a deformação vertical de 75 cm, a junta superior estava fechada, promovendo esforços de compressão axiais não previstos no projeto da ponte, além da junta inferior que estava muito aberta.

 

A morosidade e negligência

Fica claro, a partir das informações dispostas acima e dos projetos de reforço existentes desde janeiro de 2020, há quase cinco anos, que não se tratou de um acidente. As respostas para o colapso são a morosidade e imperícia na leitura técnica das informações.

É preciso lembrar que a Engenharia Estrutural não é uma ciência exata; atua com a gestão do risco a partir das probabilidades. Entretanto, o Brasil dispõe de engenheiros altamente qualificados, motivo pelo qual, apesar de antigas, a maior parte das nossas pontes não caiu ainda.

Portanto, a espera e a demora do DNIT demonstram negligência e imperícia, uma decisão que optou por flertar com o risco e acabou levando à morte de muitas pessoas.

Foi realizado um edital em maio deste ano com um orçamento de R$ 13 milhões para implementação dos reforços. Nenhuma das proponentes chegou em um acordo por discordância do orçamento ou incapacidade técnica.

A ponte possuía mais de 6000 m², o que resultaria em um orçamento de aproximadamente R$ 2.000,00 por m². Diante de tantas intervenções necessárias, este orçamento era inferior ao necessário.

Após o colapso, o Ministério dos Transportes liberou orçamento de R$ 100 milhões para construção de nova ponte.

A solução proposta

Considerando esta situação como uma demonstração de incapacidade na gestão da infraestrutura brasileira que está envelhecendo rapidamente, é importante a determinação de uma emenda ou lei que estabeleça critérios e procedimentos mais rigorosos em relação a pontes e viadutos que estão em estado similar.

Estamos solicitando apoio político para que órgãos federais, estaduais, municipais e concessionárias, em caso de avaliação estrutural de risco de colapso realizada por um engenheiro qualificado, sejam obrigados a interditar imediatamente obras que representam risco à vida. Além disso, que sejam destinados recursos emergenciais para a recuperação e requalificação dessas estruturas.

A vida da Lorrane de Jesus, de apenas 11 anos, não pode ser esquecida e deve ser honrada por causa desse abandono.

Se nada for feito, estes cenários se tornarão mais comuns.

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